domingo, 25 de março de 2007

A Prova

Confirmo as noticias publicadas aqui mais cedo pelo meu colega Tó Pê. Não confirmei mais atempadamente por me encontrar morto na minha cama. Por tal, peço desculpa.

Tudo começou com um pequeno erro de cálculo da minha parte. Ir para a noite sem dinheiro é realmente arriscado.
Iniciei a minha prova em Telheiras, não sei especificar o nome a rua, mas posso dizer-vos que estava quase vazia e o sol raiava na sua plenitude. Eram 9 da manhã (mais coisa menos coisa).

O meu trajecto é representado pela linha amarela, e para mim, àquela hora, fez todo o sentido.
Sentia-me fresco, sentia-me forte e sobretudo sentia-me pronto. Não esquecer nunca, mas NUNCA mesmo que "Fazia Sentido". Com estas premissas em mente ataquei asfalto e calçada, numa maratona louca para atingir o meu carro. Passados 10 minutos tinha percorrido os meus primeiros 100 metros.
Para quem pensa seguir este caminho, para quem vê a maratona matinal depois do Loft como objectivo de vida, fica o aviso: Aqui é que se vê quem são os homens! Os primeiros 100 metros são cruciais. Vai apetecer-vos desistir, vão ter sonhos com a vossa cama, vão pensar nos vossos amigos e na vossa familia e vão enfrentar a maior tentação de todas: as pastelarias a abrir com o pão fresco e arrumado nos expositores, como se chamasse por nós. Sim, porque Eles sabem que isso nos fará desistir, Eles sabem que isso mexe connosco. Aí é que vão ter de ser fortes!
Fui seguindo, começava a abandonar Telheiras, passo o Estádio de Alvalade e chego ao Campo Grande. Não posso precisar o tempo, mas creio que mais de meia hora passou, depois daqueles 100 metros iniciais.
Campo Grande. O primeiro check-point. Uma armadilha bem montada pela câmara de Lisboa para nos forçar a desistir. Um sitio calmo e pacato, com muita sombra e bancos. Um oásis no meio do percurso.
Por esta hora, a boca já estava seca e os bebedouros são a tentação do momento. Cedi, admito. Talvez tenha sido isso que me manteve vivo e que me deu força para continuar, e que me fez continuar a pensar "Isto AINDA faz sentido!".
E fez. E eu continuei. Foi uma travessia rápida, e em poucos minutos estava na Avenida do Brasil. Novo sitio, nova prova. Domingo, dia de sol, bairro de idosos, o meu estado fisico. Taxa de mortalidade por atropelamento ascende subitamente aos 27%! O meu objectivo era chegar com vida à Avenida Rio de Janeiro. Um autocarro apita violentamente. Optei por largar o asfalto e só usar os passeios. Parecendo que não, a estrada mata!
Passo o Júlio de Matos rapidamente, não com medo dos que saem mas com receio de que me "convidem" a entrar.
Finalmente, Avenida Rio de Janeiro. O meu último check-point. A derradeira prova. Em passo mais largo, como que a ver um fim à vista, passo os bombeiros. Mais uns passos e chego à Biarritz e ao Tico-Tico. Com o coração a bater a mil continuo sem parar. O sol já lá vai bem alto e o sentimento de sucesso aperta-me o peito. Ahh, como gosto de escrever à Miguel Sousa Tavares...
Passo o Inatel e só me falta virar à esquerda, coisa que faço sem hesitar, violando a minha regra de "Não andar no alcatrão", desta vez sem qualquer consequência sonora.
Penso que finalmente cheguei ao meu destino, tirando da cabeça a condução de 5 minutos que ainda teria de fazer. Penso em tocar em casa do Moura, só para dar um Olá e gabar-me do meu feito. De repente coloquei-me na posição dele, e se fosse acordado por um gajo todo sujo da cabeça aos pés, quase às 11 da manhã, daria uso aos meus punhos de titânio.
Tirei a ideia da cabeça e abri o carro. Sentei-me e deixo cair a cabeça para trás, utilizando a almofada para cabeça do banco pela primeira vez. Maior erro. Este teste é O Teste. Supera o teste inicial dos 100 metros. O sono começa a tomar conta de mim e eu infrutiferamente tento resistir. Estou quase a adormecer, e como tal, quase a perder a prova!
Numa última tentativa, abro o porta-luvas e tiro o rádio, que coloco rapidamente no respectivo encaixe. Subitamente, acordo! A voz despertadora de Iran Costa cantando O Bicho salvou-me das profundezas do insucesso! De um momento para o outro tudo volta a fazer sentido.
Ligo o carro e vou para casa. São 11 e tal da manhã e esta foi a minha prova.

Vida abundante.

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